(A pedido de uma moça do Fogo, ainda por encontrar, trago a segunda parte da crónica do mesmo nome. A título informativo, este artigo é de 2010).
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Há duas semanas, terminara
a primeira parte desta crónica com uma catadupa de perguntas que, mais do que
procurar respostas, expressavam raiva, impotência e frustração.
De qualquer modo, antes
que ela pudesse responder, se é que isso era importante, chegou mais um cliente
que tinha mais assuntos para tratar do que apenas beber dois copos e, assim,
com alguma pena, não pude continuar a escorreita cavaqueira que iniciara havia
já longos minutos, com a miúda de carinha bem feita, sorriso fácil, conversa
fluida e look fashion, que me ia
atendendo no bar enquanto discorria sobre o rosário da vida dela.
De qualquer modo, já
estava ficando algo cansado e as minhas costas já não aguentavam mais a minha
teimosia em fazer da mesinha e cadeira do bar a secretária para computador,
mesmo sendo um portátil. Por isso, saí, um pouco para aliviar as costas, um
pouco para caminhar e inspirar a brisa terapêutica de beira-mar e espairecer as
ideias. Todavia, não conseguia parar de pensar na menina dos olhos verdes e
vida negra do pequeno bar.
A minha última pergunta
tinha sido sobre o salário dela. Eu sei como é na Cidade da Praia onde resido e
trabalho. Não deve ser algo de muito diferente. Curioso é que, um dia, uma
jovem, profissional de vários anos do ramo do atendimento e restauração, que
por acaso andava a fazer licenciatura em Turismo, me tentou explicar e jurava a
pés juntos, que parte da razão do mau atendimento e serviços pobres que se
praticam nos bares, restaurantes e similares, pelo país afora, é devido ao
mísero salário e outras condições indignas de trabalho que se pratica com os
“serviçais” de bares e restaurantes. No caso, vim a saber que a miúda de
história triste, como de outras tantas colegas dela desse lado das nossas ilhas
de turismo e afins, deve ganhar entre sete a dez mil escudos por mês e que,
certamente, não terá cobertura da segurança social.
O que mais me intrigava,
eram as catorze horas diárias de trabalho de Segunda a Segunda. Quanto tempo
restava a ela, tirando o mais do que necessário para o descanso e outras
necessidades pessoais básicas, para então se dedicar à sua vida privada, ao
filhinho lindo e carente, a um parceiro, aos vizinhos, à alguma actividade
social? É de se enlouquecer!
Dá que pensar, enquanto
neste outro lado das mesmas ilhas de desenvolvimento médio e indicadores
macroeconómicos de fazer inveja a alguns países do primeiro mundo. Para uns, a
discussão do salário-mínimo, que ao que parece se encontra “de molho”, não
passa de fais-divers político de
gente pacóvia, embora, como dizem os experts, a dignidade de/no trabalho está
muito por além do salário (mínimo) que, todavia, é uma das componentes
importantes disso. Para outros, isso acontece deste lado das ilhas, porque,
afinal de contas, acontece o mesmo nos países mais desenvolvidos. Que
justificação?! O que mais acontece nos países mais desenvolvidos?!
Para mim, mesmo estando
do outro lados das ilhas, senti vergonha, revolta e indignação e lembrei-me do
sempre polémico teólogo espanhol Juan Arias e do seu livro “A (Re) Descoberta
de Cristo” que levara comigo para revisitar, durante a viagem, e bati no peito
por três vezes. Por onde anda a nossa consciência de cidadãos, de dirigentes,
de empresários e de políticos quando é confrontado com a prática de indignidade
tão grosseira em certos lados das nossas ilhas, por este Cabo Verde afora?
Mais tarde, a meio da
manhã, cruzei-me, por uns instantes, com a menina do bar do dia anterior e
disse-lhe com algum desabafo que devia tentar voltar a estudar e, quem sabe,
procurar outros mundos, outras vidas. “É uma pena. É triste!” “Uma vergonha”, sussurrei
para comigo mesmo, para com a minha consciência de uma simples pessoa humana e
cidadão que não deve ficar indiferente mas sim, ao menos, indignar-se com a “sorte”
tão madrasta de um semelhante. Por momentos, enquanto me afastava, escondendo
uma gota furtiva no canto do olho esquerdo, quis ver luzirem réstias de
esperança nos olhos verdes dela, iluminando sua carinha linda de menina e moça.
Acabas de ganhar uma leitora fiel,parabéns meu amigo! É uma realidade dura,crua e nua de nossas ilhas mas me admira muito nossos dirigentes políticos fazerem pouca conta dos Caboverdianos que vivem na miséria...e mais, Caboverdianos, nossos semelhantes que fechem olhos perante o gosto amargo da vida dos seus semelhantes, pessoas que contribuem e de que forma, para o engrossamento dos seus bolsos diariamente e que em troca recebem:migalhas,humilhações...e ficam com cicatrizes a flor da pele para o resto da vida...por isso muitos buscam um escape a essa vida(devo chamar isso de vida?),dai o sonho com os States...uma cidade qualquer onde possam ...que seja apenas sonhar!
ResponderEliminarEu, ao menos, senti vergonha... dei algum alento para a moça e publiquei o artigo aqui e no A Nação. Mesmo assim é pouco mas melhor do que nada.
EliminarAssim começa a mudança Pedro...com gestos pequenos!
ResponderEliminarGostei muito desta escrita. Mas porque já não publicas?
ResponderEliminarSó alguém de grande coração consegue isso. Ver e não ficar calado diante destas injustiças que acontecem todos os dias.
ResponderEliminarTens a minha admiração sempre. És um ser humano espectacular. Continua escrevendo que eu adorooooo.
E.S