segunda-feira, 22 de junho de 2015

Do outro lado das nossas ilhas (II - II)

(A pedido de uma moça do Fogo, ainda por encontrar, trago a segunda parte da crónica do mesmo nome. A título informativo, este artigo é de 2010).

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Há duas semanas, terminara a primeira parte desta crónica com uma catadupa de perguntas que, mais do que procurar respostas, expressavam raiva, impotência e frustração.

De qualquer modo, antes que ela pudesse responder, se é que isso era importante, chegou mais um cliente que tinha mais assuntos para tratar do que apenas beber dois copos e, assim, com alguma pena, não pude continuar a escorreita cavaqueira que iniciara havia já longos minutos, com a miúda de carinha bem feita, sorriso fácil, conversa fluida e look fashion, que me ia atendendo no bar enquanto discorria sobre o rosário da vida dela.

De qualquer modo, já estava ficando algo cansado e as minhas costas já não aguentavam mais a minha teimosia em fazer da mesinha e cadeira do bar a secretária para computador, mesmo sendo um portátil. Por isso, saí, um pouco para aliviar as costas, um pouco para caminhar e inspirar a brisa terapêutica de beira-mar e espairecer as ideias. Todavia, não conseguia parar de pensar na menina dos olhos verdes e vida negra do pequeno bar.

A minha última pergunta tinha sido sobre o salário dela. Eu sei como é na Cidade da Praia onde resido e trabalho. Não deve ser algo de muito diferente. Curioso é que, um dia, uma jovem, profissional de vários anos do ramo do atendimento e restauração, que por acaso andava a fazer licenciatura em Turismo, me tentou explicar e jurava a pés juntos, que parte da razão do mau atendimento e serviços pobres que se praticam nos bares, restaurantes e similares, pelo país afora, é devido ao mísero salário e outras condições indignas de trabalho que se pratica com os “serviçais” de bares e restaurantes. No caso, vim a saber que a miúda de história triste, como de outras tantas colegas dela desse lado das nossas ilhas de turismo e afins, deve ganhar entre sete a dez mil escudos por mês e que, certamente, não terá cobertura da segurança social.

O que mais me intrigava, eram as catorze horas diárias de trabalho de Segunda a Segunda. Quanto tempo restava a ela, tirando o mais do que necessário para o descanso e outras necessidades pessoais básicas, para então se dedicar à sua vida privada, ao filhinho lindo e carente, a um parceiro, aos vizinhos, à alguma actividade social? É de se enlouquecer!

Dá que pensar, enquanto neste outro lado das mesmas ilhas de desenvolvimento médio e indicadores macroeconómicos de fazer inveja a alguns países do primeiro mundo. Para uns, a discussão do salário-mínimo, que ao que parece se encontra “de molho”, não passa de fais-divers político de gente pacóvia, embora, como dizem os experts, a dignidade de/no trabalho está muito por além do salário (mínimo) que, todavia, é uma das componentes importantes disso. Para outros, isso acontece deste lado das ilhas, porque, afinal de contas, acontece o mesmo nos países mais desenvolvidos. Que justificação?! O que mais acontece nos países mais desenvolvidos?!

Para mim, mesmo estando do outro lados das ilhas, senti vergonha, revolta e indignação e lembrei-me do sempre polémico teólogo espanhol Juan Arias e do seu livro “A (Re) Descoberta de Cristo” que levara comigo para revisitar, durante a viagem, e bati no peito por três vezes. Por onde anda a nossa consciência de cidadãos, de dirigentes, de empresários e de políticos quando é confrontado com a prática de indignidade tão grosseira em certos lados das nossas ilhas, por este Cabo Verde afora?


Mais tarde, a meio da manhã, cruzei-me, por uns instantes, com a menina do bar do dia anterior e disse-lhe com algum desabafo que devia tentar voltar a estudar e, quem sabe, procurar outros mundos, outras vidas. “É uma pena. É triste!” “Uma vergonha”, sussurrei para comigo mesmo, para com a minha consciência de uma simples pessoa humana e cidadão que não deve ficar indiferente mas sim, ao menos, indignar-se com a “sorte” tão madrasta de um semelhante. Por momentos, enquanto me afastava, escondendo uma gota furtiva no canto do olho esquerdo, quis ver luzirem réstias de esperança nos olhos verdes dela, iluminando sua carinha linda de menina e moça.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Pela minha Cidade da Praia

No cair da festa do município da minha cidade, revisito extracto de um texto que publiquei há sete anos.
"...A Cidade da Praia cresceu muito com o passar dos anos; já não é a minha cidade inocente e encantada dos meus ingénuos anos da infância e da adolescência.
Eu, também, cresci-me e perdi a minha inocência e o encanto que emprestava às coisas que amava. Parecemos, os dois, ela e eu, gente grande. Gente grande que se desentende, que se discute e se agride mutuamente. Apesar de tudo, só espero que a minha cidade ainda me reconheça, entre muitos outros filhos seus também, de latitudes, de credos, de vozes e de vontades diferentes, distantes e diversas.

Confesso, que, também, muitas vezes, sinto dificuldades de reconhecer a minha cidade que, pouco a pouco – é facto – vem perdendo alguns bons traços enquanto ganha outros e algumas rugas que, normalmente, marcam e caracterizam qualquer Cidade do mundo. Mas como bem dizia o grande Pablo Neruda, "Não posso viver senão em minha própria terra.”