Antes, depois e mais do que o homem
O Bispo do/no seu tempo
«Avizinha-se o tempo da minha libertação. Combati o bom combate,
terminei a corrida, conservei a fé. Agora só me resta a coroa de justiça
que o Senhor, justo juiz, me entregará naquele dia; e não só a mim,
mas também a todos aqueles que esperam com amor
a sua manifestação » (2 Tm 4, 7-8).
terminei a corrida, conservei a fé. Agora só me resta a coroa de justiça
que o Senhor, justo juiz, me entregará naquele dia; e não só a mim,
mas também a todos aqueles que esperam com amor
a sua manifestação » (2 Tm 4, 7-8).
À guisa de introito
No domingo, 16 de
junho, ainda durante a missa das 10h30, na Pró-Catedral da Paróquia de Nossa
Senhora da Graça, por intermédio do então celebrante, Pe. Edson Bettencourt,
Chanceler da Cúria Diocesana, a notícia chegou algo inesperada e, como sempre -
em qualquer morte -, brutal e inexorável. Nessa manhã, o Senhor Bispo Emérito
da Diocese de Santiago de Cabo Verde, Dom Paulino Livramento Évora (o primeiro
bispo natural de Cabo Verde e o primeiro bispo do país pós-independência
nacional) “regressou à casa do Pai”.
Ainda a meio daquele tal
momento de “briga e negociação” com o veredicto implacável do facto, dava
comigo a pensar no que se poderia dizer, agora, in memorium, do bispo e do homem que marcou, de forma indelével –
mesmo que, historicamente, seja ainda cedo para este tipo de conclusões
avaliativas – a história da Igreja Católica em Cabo Verde e, porque não, a
história deste país, que nasceu, em termos de soberania, semanas depois da sua eleição
episcopal a 1 de junho de 1975. Não será por acaso o lema do serviço pastoral por ele escolhido; “N mandadu da nhos um noba di Deus djunto ku
notisia di libertason” (cf. Lc 4,8), expressa, de forma clara, a convergência,
do seu projeto pastoral e ministério episcopal e o nascimento de um novo país
para a liberdade e o desenvolvimento.
Entretanto, ainda embrenhado nessas reflexões, eis que o meu amigo diretor do jornal me chama e me
deixa o repto de contribuir com um testemunho ou crónica, que seja, de leigo
cristão sobre a morte do Bispo Emérito Dom Paulino ao que não pude recusar,
tamanha a minha dívida para com o Sr. Diretor, desde que reassumi continuar a “saldar
a minha dívida para com o meu povo e viver a minha época”, ficando sem tempo
para as minhas prometidas regulares crónicas cívicas e cidadãs. A meio da resposta
ao repto, aproveitei da presença, no momento, de uma amiga e companheira de
lutas sociais, para um breve inquérito sobre o que as pessoas quereriam,
precisariam e deveriam ler e saber sobre uma figura como o Bispo Emérito, não
esquecendo o que eu, igualmente, gostaria, poderia e deveria escrever e
comunicar, passando sempre pelo crivo das três peneiras de Sócrates[1].
Claro, revisitei um pouco, ainda que mentalmente, o que tinha escrito em
momentos semelhantes, nomeadamente, aquando do falecimento do mui amado Papa São
João Paulo II em 2005 e do sempre saudoso amigo, Pe. Pimenta Pereira em 2007.
Foi então que,
pensando bem na conversa que pude seguir, nessa manhã, na RCV, entre os
jornalistas, a propósito da morte do Bispo Emérito, assunto/tema do dia da
rúbrica “Opinião Pública” e da iliteracia religiosa geral reinante entre os
cabo-verdianos e alguns jornalistas, em particular no que diz respeito à
religião cristã e à Igreja Católica, tratando-se, como se sabe, de uma
especialidade dentro da comunicação jornalística, como são a politica, a
economia, a cultura, o ambiente, etc., não tive mais dúvidas. A minha crónica precisa
ser sobre “o bispo”, o sucessor dos Apóstolos por
instituição divina, mediante o Espírito Santo que lhe foi conferido, constituindo-o
Pastor da Igreja com a missão de ensinar, santificar e guiar, em comunhão
hierárquica com o Sucessor de Pedro e com os outros membros do Colégio
Episcopal.[2]
Antes do homem, depois e mais do que homem, o bispo
(do/no teu tempo)
Para além do lugar e espaço
e porque o tempo é-lhes superior, não haverá como desassociar “esse tempo” em
que Dom Paulino Évora foi eleito bispo e o a que foi
chamado a cumprir o seu múnus episcopal; um tempo particular de Deus e dos
homens, kairós e chronos. Efectivamente, se “para
tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus...”,[3] o bispo sabe, de fato, ter sido
enviado por Deus, senhor da História[4], para edificar a Igreja no lugar e nos “tempos e momentos que o Pai fixou
com a sua autoridade”[5]. Creio que, pelo seu discurso, posicionamentos e ações, Dom Paulino nunca
fugiu a esse mandato divino, ele um missionário por natureza e ofício.
Efetivamente, hoje, com algum distanciamento cronológico e afetivo, e a
história versará sobre isso, Dom Paulino Évora não pôde – parece-me que nem poderia
- deixar de ser marcado e marcar indelevelmente o tempo e o itinerário
históricos que coincidiram com a sua eleição episcopal e toda a sua trajetória
até se renunciar dentro do tempo requerido com a aceitação pelo Papa, três anos
depois, em julho de 2009.
Como ele diria numa
entrevista,[6] era tempo de um novo país
e de “muita confusão”; de uma igreja local que buscava também ela “caminhos
novos” juntamente com uma nação que ajudou a fundar e a modelar mas que muitas
vezes, qual filho pródigo, lhe pede a parte da herança que lhe cabe para a ir
desbaratar lá longe. A Igreja, que é sempre mãe e pai, estará sempre de braços abertos para todos os seus filhos, os mais novos e os mais velhos.[7]
Isso foi o que se viu ao longo dos seus 44 anos de episcopado, 34 dos quais à
frente da Diocese de Santiago de Cabo Verde, com um país, muitas vezes, em
busca desenfreada de certos paradigmas de desenvolvimento que ele tão
energicamente defendeu que só podia ser integral, o que foi admiravelmente
confirmado, em pessoa, pelo Pastor Universal, João Paulo II, na sua visita
apostólica a Cabo Verde, de que no próximo ano celebramos 30 anos.
Entre o kronos e kairos, é
sobretudo aquele que o Apostolorum Sucessores[8] enuncia, por diversas vezes,
que, entre outros, o bispo deve estar atento para compreender, interpretar e
avaliar os sinais e as suas exigências; para descobrir o que o Espírito Santo
transmite à Igreja; acompanhar as correntes culturais e sociais do pensamento;
responder, à luz da Palavra de Deus e na fidelidade à doutrina e disciplina da
Igreja, às novas questões que surgem da sociedade.
Na prossecução desses
enunciados, o Bispo, “preparado para toda a obra boa”[9] e “suportando tudo por amor dos eleitos”[10], orienta a sua vida de maneira que ela corresponda às necessidades dos
tempos. Afinal, Instruída pelo seu
Senhor, é a própria Igreja que perscruta os sinais dos tempos e interpreta-os,
oferecendo ao mundo “o que possui como próprio: uma visão global e integral do homem e da humanidade”.[11] Se bem que,
por vocação, transcenda os tempos e os confins das nações, devendo estender-se
a toda a terra, a Igreja, como ensinou o Concílio Vaticano II, entra na
história dos homens, como participante da suas vicissitudes e solidária com as
alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens, sobretudo dos
pobres e de todos os que sofrem.[12]
É preciso ter sempre
presente que, o ministério do bispo não abrange unicamente os fiéis da sua
Igreja particular, nem sequer a Igreja é a única destinatária da sua solicitude
pastoral. Ele é chamado a suscitar a esperança das realidades transcendentes e
das realidades escatológicas.[13]
Cumprida a sua missão terrena, no tempo e no espaço que ao Pai aprouve, até
um dia Dom Paulino Livramento Évora.
pedromoreira2006@gmail.com
[1] Um método criado pelo filósofo
grego, Sócrates, em que a nossa comunicação deve-se primar pela verdade, bondade
e necessidade.
[2] Cfr. “Apostolorum Successores”: Diretório
para o Ministério Pastoral dos Bispos (22.02.2004)
[3] Cfr.
Eclesiastes 3, 1.
[4] Cf. 1 Tm 1, 17.
[5] Act 1, 7.
[6] Ao Jornal Terra Nova, Maio 2016.
[8] Directrizes da Congregação para os
Bispos para o ministério pastoral dos bispos, 22 de fevereiro de 2004.
[9] 2 Tim. 2,21.
[10] 2 Tim. 2,10.
[11] Paulo VI, Carta
encíclica Populorum Progressio (26 de Março de 1967),
13: AAS 59 (1967), 263-264).
[12] Cf. Concílio Ecuménico do Vaticano
II, Constituição Pasotoral de Ecclesia in mundo huius temporis Gaudium et
spes, 1.
[13] 72, X Assembleia Geral Ordinária sínodo dos bispos
sob o tema “O bispo servidor do Evangelho de Jesus Cristo para a esperança do
mundo”, 30 de Setembro a 27 de Outubro de 2001.
Bem-vindo de volta ao blog.
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