Do outro
lado das nossas ilhas (I - II)
Passei mais um
fim-de-semana, de trabalho, no duro, na Ilha do Fogo. Não é que estou pegando o
gosto à Ilha, descobrindo-a, bela e agreste, acre e doce, indomada e ainda por
desvendar, sempre, a imponente Ilha do Fogo, ilha do vulcão. Ilha do vinho, do
queijo e de meninas moças lindas e sonhadoras com postais, dólares e
“documentos” dos EUA, passando, certamente, pela Cidade da Praia das conversas
e contos dos primos e enteados que um dia partiram e nunca mais voltaram e dos
que por aqui vão passando, de quando em vez, para uma estadia de curtíssima
duração, entre um projecto e outro, dos tantos que ainda não conseguiram tirar
esta Ilha do marasmo em que, durante muito tempo, tem estado submersa e do
qual, pouco a pouco, tenta acordar-se, nos últimos tempos, qual gigante
adormecido no tempo entre as repúblicas.
São as primeiras horas da
Segunda-feira, um pouco depois das quatro da manhã. O sono anda há muito
perdido no tempo do não mais voltar quando, finalmente, o barulho dos
noctívagos vai-se esvaindo na expressão do ronco, porventura, da última moto da
noite, que se perde no manso sussurrar das ondas aí perto, mas sempre, sempre
dentro de nós, os ilhéus. Tudo está sereno, como dizem, ali ao lado, na vizinha
e irmã do infortúnio, mesmo assim longínqua, ilha Brava. No quarto simples, no
portátil na mesinha de cabeceira, Lulu Santos me anima com a música “Como uma
onda no mar” e eu me entretenho cantarolando baixinho o estribilho “tudo passa,
tudo sempre passará” quando me vem à memória o interessante dedo de prosa que
entretive com a moça do bar, enquanto massacrava as minhas costas tentando
finalizar, no portátil, entre um drink
e um chat, uma apresentação para
hoje, mais logo às duas da tarde.
Ela é mais uma das muitas
moças, de carinha bem-feita, sorriso fácil, conversa fluida e look fashion que trabalham nos bares,
restaurantes e pensões neste lado das ilhas. Gostei dela; talvez por causa do
sorriso cativante, talvez por causa dos olhos verdes de esperança. Ofereço-lhe
um drink fazendo a vez do forasteiro
simpático e, puxando um pouco a conversa, entre um trago e um ou outro
esporádico cliente que entra e sai, a moça vai desfilando um autêntico rosário
da história da vida dela que, sem dar muito a perceber, vou apreciando com um
real interesse e um misto de pena, indignação e impotência. Está na fase final
do teenager e sente-se que tem
aprendido duramente com a vida, uma vez que longínquo já foi o tempo em que
ainda aprendia num banco de escola. Não conseguiu ir para além da sexta classe.
Levanta todos os dias às seis da manhã para estar no batente às sete em ponto e
só deixa o local trabalho, catorze horas depois, por volta das dez da noite,
quando não houver muito movimento. Tem um filho lindo e carente, fruto de uma
relação fugaz e complicada (disse violento? As marcas no braço e na cara falam
por si) com um dos muitos jovens repatriados que vão fazendo verdadeiras
micro-comunidades nesta Ilha. “Passei uma vez pela Praia, vindo de S. Vicente;
foram só três dias…” diz ela a certa altura. E continua. “Um dia, ainda, hei-de
conhecer a Cidade da Praia, melhor, a Ilha de Santiago.” A isca parece boa mas
não a mordo. “E o fim-de-semana?” Lanço eu, tentando levar a conversa para um
outro assunto menos vinculativo. “Fim-de-semana?!” Responde, meio surpresa,
para acrescentar, bem antes que eu entendesse o misto de espanto e interrogação
dela. “Só saio daqui por volta das dez da noite, se não houver movimento.” Vaticina
ela. “E o domingo?” Contraponho, firme. “Qual domingo!” “É sempre a mesma coisa.”
Afirma ela fatidicamente. Aí não contive o meu espanto e alguma indignação e
retorqui.” O quê? Você trabalha todos os dias, de Segunda à Segunda? Não é
possível! Será?! E quanto ganha?”
(continua...)
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